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O Impacto do Racismo na Subjetividade da Criança Negra

por Kizye Lins – Psicanalista Decolonial Afrocentrada

Racismo:

Prática de discriminação estrutural e social, preconceito, discriminação ou antagonismo por parte de um indivíduo, comunidade ou instituição contra uma pessoa ou pessoas pelo fato de pertencer a um determinado grupo racial ou étnico.
Aversão em relação à cor, cabelo, traços, cultura, etc. de outra pessoa.
Discriminação com base no conceito de que existem diferentes raças humanas e que uma é superior às outras. Racismo esse que pode impactar a vida de uma pessoa que passa constantemente por situações de discriminação e/ou de preconceito, provocando o seu sofrimento psiquíco.

Impacto do racismo na infância:

A infância é a fase em que as crianças estabelecem sua identidade e, nesse processo, ficam mais vulneráveis a influências positivas ou negativas.

No período escolar, as crianças estão em desenvolvimento e construção de suas identidades, absorvendo influências que vêm a partir do olhar do outro.

Crianças que sofrem racismo tendem, de forma inconsciente ou não, a internalizar concepções negativas sobre sua própria identidade étnica e cultural.

A convivência cotidiana com o racismo “sutil” escolar (a falta de representatividade no material didático e de professores pretos), podem resultar em uma sensação de não
pertencimento do aluno àquele espaço. A criança tende a evitar chamar a atenção, se retrai, e sua participação nas atividades escolares vai progressivamente diminuindo. A somatória desses desconfortos e constrangimentos podem contribuir também para o seu atraso intelectual, reprovação ou até evasão escolar.

Segundo Neusa Santos Souza em seu livro Tornar-se Negro, que o que é mais valorizado em nossa sociedade e se torna alvo de desejo, muitas vezes, das pessoas negras, é a estrutura psíquica da personalidade branca. O que acontece com algumas crianças negras é que internalizam em sua subjetividade que ser negro é ruim. E passam a odiar a sua cor, o seu cabelo, suas características negróides como um todo (processo de embranquecimento). Mudanças de comportamentos também são apresentadas, como: postura retraída e agressividade.

Efeito do racismo cotidiano na infância:

Baixa autoestima, transtornos do sono, irritabilidade, medos excessivos, baixa imunidade, atrasos no desenvolvimento, transtorno de ansiedade, depressão, queda no rendimento escolar, dificuldade de desenvolvimento e relacionamento interpessoal, sentimento de inferioridade, inadequação, sensação de incapacidade, isolamento social e ausência do sentimento de pertença.

Estes efeitos podem levar ao suicídio.

Efeitos na vida adulta do racismo na infância:

Saúde mental totalmente desestabilizada e ficará suscetível a desenvolver transtornos psicológicos ou ter uma piora em um quadro já existente.

  • Dependência química (álcool e/ou drogas).
  • Doenças psicossomáticas.
  • Marginalização.

Combate ao racismo na escola:

Aplicar as leis 10.639 que determinou a inserção de conteúdos de história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares e a lei 11.645, que instituiu a
obrigatoriedade do ensino de história e cultura indígena.

  • Combate ao racismo no Plano Político Pedagógico na rotina da escola.
  • Contratar mais professores negros, para haver uma identificação.
  • Educação anti-racista permanente.

Conclusão:

A construção da personalidade do indivíduo se dá na primeira infância. O que influencia nesta construção é a família, o meio social-cultural-econômico-histórico em que o sujeito está inserido e a religião, segundo a psicanálise. A construção da sua auto imagem também se dá nesta fase.

As relações escolares, sociais e familiares são fundamentais neste processo de construção da subjetividade desse sujeito. São estas relações, que determinarão a forma como a criança elabora e organiza suas referências no mundo e isso, se repercutirá na formação de sua identidade.

É nas interações com o outro e o mundo que a criança internaliza os estereótipos negativos ligados ao negro.

O trato negativo para com a criança negra na escola, impõem em sua mente um sentimento de inferioridade perante ao sujeito branco, levando ao não pertencimento daquele grupo onde é excluído diariamente pelo fator raça.

Além de tudo, crianças provindas de famílias racializadas ainda sofrem com o chamado racismo indireto, que é sofrer por ver o sofrimento dos familiares pelo ato ocorrido com eles, ou seja, sofre em dobro.

A dor do racismo é semelhante à dor do luto, porém esta dor é causada diariamente e às vezes múltiplas vezes ao dia. A diferença da dor do luto com a do racismo é que o luto tem um tempo de sofrimento, já a do racismo é eterna, pois a pessoa não deixará de ser negra.

Bibliografia:
NOGUEIRA, Isildinha Baptista. A Cor do inconsciente: Significações do corpo negro. 1. ed. São Paulo: Perspectiva,2021.

SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se Negro: As vicissitudes da Identidade do Negro Brasileiro em Ascensão Social. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

UNICEF. O Impacto do Racismo na Infância. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/1731/file/O_impacto_do_racismo_na_infancia.pdf. Acesso em: 05 de março 2023.

GOV.BR. Estatuto da Igualdade Racial. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/crianca-e-adolescente/estatuto-da-crianca-e-
-do-adolescente-versao-2019.pdf. Acesso em: 05.03.2023

Conselho Federal de Psicologia. PSICOLOGIA BRASILEIRA NA LUTA ANTIRRACISTA Volume 1 Brasília, 2022 1ª edição

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Prazer, essa sou eu!

Me chamo Kizye, “aquela que veio pra ficar”, mulher preta de pele clara, sou mãe do Zuri, “o belo”, esposa do Paulo.
Sou feita no Santo há 16 anos, filha de Xangô e Oxum. Sou sacerdotisa de Umbanda e Quimbanda.
Pesquisadora independente da Ancestralidade e Filosofia Africana Yorubá.
Psicanalista Decolonial Afrocentrada, supervisora clínica Racializada e Afrocentrada, consultora antirracista, facilitadora de terapia em grupo de afrodescendentes, atuo em grupos de estudos onde ensino e aprendo: filosofia Yorubá, psicanálise antirracista, Black Psychology, clínica racializada e afrocentrada.
Estudante de filosofia.
Sou idealizadora do Grupo Odù e do Projeto Aquilombamente.

“Se quer ir rápido vá sozinho, se quer ir longe, vá em grupo“

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