Na cosmologia iorubá, Orunmilá é o orixá da sabedoria e do conhecimento, um guia divino que detém as chaves para a compreensão do destino e dos mistérios da vida. Ele é o mestre do sistema de adivinhação Ifá, que busca equilibrar o ser humano com seu propósito existencial, proporcionando orientação espiritual e mental para lidar com as complexidades da vida. Curiosamente, a figura de Orunmilá oferece um paralelo instigante ao arquétipo do pesquisador de saúde mental no mundo contemporâneo. Assim como Orunmilá procura entender e ajudar na jornada espiritual e psíquica dos indivíduos, o pesquisador de saúde mental atua como um explorador das dimensões cognitivas, emocionais e comportamentais da existência humana, visando proporcionar equilíbrio, cura e desenvolvimento.
Neste ensaio, examinaremos as semelhanças entre Orunmilá e o arquétipo do pesquisador de saúde mental, refletindo sobre como as práticas tradicionais de cura e sabedoria espiritual podem dialogar com as abordagens científicas e psicológicas na compreensão da mente humana e dos desafios que afetam o bem-estar psicológico.
Orunmilá: O Guardião do Conhecimento
Orunmilá é uma divindade associada ao conhecimento profundo sobre o destino e o universo. Como mestre do Ifá, ele tem acesso às verdades cósmicas e à compreensão do ser humano em sua totalidade. Através dos ensinamentos e rituais, Orunmilá orienta as pessoas a compreenderem e enfrentarem suas dificuldades existenciais, ajudando-as a evitar os obstáculos que podem surgir ao longo do caminho.
No contexto da saúde mental, essa imagem de Orunmilá como um detentor do conhecimento e guia espiritual se assemelha ao papel do pesquisador e terapeuta. Ambos se dedicam a desvendar os mistérios da mente e do comportamento humano, muitas vezes com o objetivo de curar ou prevenir o sofrimento. Assim como Orunmilá utiliza a sabedoria ancestral para aconselhar e orientar, o pesquisador de saúde mental recorre a teorias psicológicas, ferramentas de pesquisa e intervenções terapêuticas para entender e melhorar a saúde mental dos indivíduos.
O Arquétipo do Pesquisador: Curiosidade, Sabedoria e Cura
O pesquisador de saúde mental pode ser visto como um arquétipo contemporâneo, movido por uma busca incansável por conhecimento e compreensão da psique humana. Sua curiosidade está enraizada no desejo de desvendar os fatores biológicos, psicológicos e sociais que influenciam o bem-estar mental. Como Orunmilá, o pesquisador busca respostas para questões complexas que afetam o equilíbrio e o sentido de propósito das pessoas, mas o faz dentro de um quadro científico e empírico.
O pesquisador de saúde mental não apenas tenta compreender, mas também busca soluções práticas para ajudar os indivíduos a lidarem com transtornos como depressão, ansiedade, estresse e traumas. A pesquisa em psicologia e psiquiatria tem evoluído para incluir uma variedade de abordagens, como terapias comportamentais, farmacologia, psicanálise, neurociência e práticas de saúde holística. Essa variedade de métodos reflete a multiplicidade de ferramentas usadas por Orunmilá no Ifá, que oferece uma vasta gama de recursos para aconselhar os seres humanos em diferentes aspectos da vida.
O Destino e a Compreensão da Condição Humana
Na cosmologia iorubá, o conceito de “Orí” é central. Orunmilá, com sua profunda sabedoria, ajuda os seres humanos a compreenderem e se reconciliarem com seu “Orí”, muitas vezes apontando caminhos para viver de maneira mais harmoniosa e evitar o desvio de seus objetivos principais. De maneira semelhante, os pesquisadores de saúde mental muitas vezes ajudam os indivíduos a encontrar o caminho de volta para uma vida equilibrada e funcional quando se encontram fora de alinhamento com suas metas e desejos.
Transtornos mentais frequentemente colocam em questão o sentido de vida e a direção de uma pessoa. A depressão, por exemplo, pode gerar uma sensação de desesperança que impede o indivíduo de se conectar com seu próprio destino, enquanto a ansiedade pode distorcer a percepção de controle sobre o futuro. A figura do pesquisador/terapeuta, assim como Orunmilá, auxilia nesse processo de redescoberta, ajudando as pessoas a recalibrar suas vidas de acordo com seus desejos mais profundos e necessidades psíquicas.
Integração de Sabedorias Tradicionais e Contemporâneas
Há um movimento crescente em direção à integração de práticas tradicionais, como o Ifá, e métodos contemporâneos de saúde mental. Em muitas culturas africanas e afro-diaspóricas, a espiritualidade, incluindo os orixás, desempenha um papel crucial na manutenção da saúde mental. A presença de orixás como Orunmilá representa uma forma de sabedoria ancestral que vê o ser humano de maneira holística, levando em conta o corpo, a mente e o espírito. Essa perspectiva tem paralelos com a psicologia transpessoal e outras abordagens que consideram as dimensões espirituais da saúde mental.
A interseção entre as sabedorias tradicionais e a ciência contemporânea pode enriquecer a prática de saúde mental, fornecendo uma compreensão mais completa das necessidades humanas. Orunmilá, com seu foco na compreensão do destino e na conexão com a espiritualidade, pode ser uma fonte de inspiração para pesquisadores que buscam criar abordagens mais integradas para a saúde mental, reconhecendo a importância da espiritualidade e da conexão social na cura psicológica.
Conclusão
Orunmilá, como arquétipo da sabedoria e do conhecimento, nos oferece uma lente para ver o papel do pesquisador de saúde mental de maneira mais profunda e espiritual. Ambos compartilham a missão de compreender e curar o ser humano, seja por meio da sabedoria ancestral ou da ciência moderna. Ao explorar essa conexão, somos lembrados de que a busca pelo equilíbrio mental e emocional é, em última análise, uma jornada multifacetada, que pode se beneficiar de várias tradições e perspectivas.
Essa integração de conhecimentos tradicionais e contemporâneos pode não apenas enriquecer as práticas de saúde mental, mas também criar pontes entre diferentes formas de saber, promovendo uma visão mais inclusiva e holística do que significa ser humano. Orunmilá, com sua sabedoria eterna, continua a nos guiar, lembrando-nos que o conhecimento e a cura estão interligados no caminho da vida.
por Kizye Lins – Psicanalista Decolonial Afrocentrada